"Muitas das fábulas aqui presentes já
eram velhas no banquete de Baltazar e
ainda serão novas quando o Brasil for
uma democracia. Não pretendem ensinar
nada senão que a paz na terra independe
de nossa boa vontade, que a vitória na
vida vem mais de nossos defeitos do que
de nossas qualidades, e que só no dia em
que um industrial espirituoso chamar de
FÉ às suas escavadeiras, a FÉ removerá
montanhas. Este é, em suma, um livro
como todos os outros perfeitamente
dispensável. Mas seja tudo pela vontade
de Alá que
é Deus e
de Maomé que,
felizmente, não é o seu único profeta."
(Millôr Fernandes – Fábulas Fabulosas)
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O Chuveiro
A não ser quando se atiravam nos rios em doidas nadadas eufóricas atrás de donas outro tanto, os homens nunca foram muito mesmo de banho. Banho, com sabão, toalha, água em abundância e executado de vinte e quatro horas em vinte e quatro horas, é invenção mais do que recente. E a maior parte dos franceses inda a desconhece hoje. O Brasil, porém, clima tropical, temperamento ardente, cidade maravilhosa, auriverde pendão, sol constante e céu azul, deveria ser o paraíso natural dos tomadores de banho. E o é. Pelo menos é hábito comum, desde de que se inventou o chuveiro, a gente acordar, pôr-se como Deus nos fez debaixo desse engenhoso aparelho, molhar o corpo e ensaboá-lo. Depois do corpo ensaboado o tomador de banho tem então a veleidade conseqüente de lhe tirar o sabão. E é aí que entramos com a falta d'água. Sim, pois a água que cai inicialmente é só aquelinha que fica enganadoramente no cano. Conseqüência, pois, da descoberta do chuveiro: invenção de milhares e milhares de palavras novas, geralmente esdrúxulas e interjectivas, as quais vêm sistematicamente enriquecendo o vernáculo embora os dicionários teimem em não registrá-las.
Millôr Fernandes
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Discurso de Deus a Eva
"... Eva, de repente, descobrindo uma bela cascata, resolveu tomar um banho de rio. A criação inteira veio então espiar aquela coisa linda que ninguém conhecia. E quando Eva saiu do banho, toda molhada, naquele mundo inaugural, naquela manhã primeval, estava realmente tão maravilhosa que os anjos, arcanjos e querubins, ao verem a primeira mulher nua sobre a Terra, não se contiveram, começaram a bater palmas e a gritar, entusiasmados: "O AUTOR! O AUTOR! O AUTOR!".
Millôr Fernandes
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A RAPOSA E O CACHO DE UVAS
Uma raposa faminta, ao ver cachos de uva suspensos em uma parreira, quis pegá-los, mas não conseguiu. Então, afastou-se dela, dizendo: “Estão verdes.”
Uma incrivel fabula, com o principal objetivo é de mostrar a reação de nos homenes qundo nao consegue o que queren ou quando são oprimidos pela sociedade.
Millôr Fernandes
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O Maiô Biquíni
No princípio era verbo. Depois vieram os advérbios, os pronomes, as preposições e as interjeições. No tempo em que o verbo andava solto nas campinas do Éden, as senhoras costumavam sair à rua completamente despidas, de acordo com a última moda. Depois vieram as folhas de parreira, as tangas, os longos vestidos: a mulher tinha descoberto o pudor. Que é como se chama esconder o corpo para só exibi-lo em ocasiões propícias e particulares.
Mas como a concorrência no século XX passou a ser brutal, as mulheres começaram novamente a se despir em público. Reduziram as saias de sete para nenhuma, transformaram a blusa em um pano cruzado sobre o busto (eis-me pudico!) e acabaram reduzindo tudo ao mínimo essencial, que é menor do que o próprio nome: biquíni. As consequências vão ilustradas no desenho e podem ser verificadas no IBGE. Pois, como dizia para a filha extremamente hodierna aquela senhora conservadora: "Ah, menina, se no meu tempo se usasse essa espécie de maiô, você seria pelo menos seis anos mais velha".
Millôr Fernandes
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